quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Jornada de Estudos "Intérpretes e tradutores no espaço atlântico"

Estarei na Jornada de estudos "Intérpretes e tradutores no espaço atlântico" na Universidade do Maine.
Deixo aqui os cartazes e a programação do evento:





terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O imaginário do Intérprete em "Ao Leitor" de Bernardo Maria Cannecatimm

O prefácio da obra Diccionario da Lingua Bunda ou Angolense, explicada na portugueza, e na latina de 1804, encontramos várias justificativas do porquê publicar um dicionário. Todavia, entre as afirmativas do texto, encontramos várias referências ao imaginário bem como sobre a realidade da figura do intérprete no século XIX nas ex-colônias portuguesas. Escrevo logo abaixo alguns trechos deste prefácio para que os leitores tirem por conta própria algumas conclusões sobre o que era ser intérprete à época.


[...]
Daqui nasce: sujeitarem-se precisamente ao uso dos interpretes, pelos quaes se persuadem entenderem, e serem entendidos do Povo. Fazendo estes homens hum adminiculo indispensavel no ministerio da Palavra, e na propria administração dos Sacramentos. Porém, eu não posso mostrar, sem huma viva dor, a insufficiencia, e os males gravissimos deste meio na pratica da Religião em Angola, como eu mesmo vi, e experimentei.
Os interpretes são Negros do Paiz, gente bruta, que ignora da sua propria Lingua huma grande parte, e que da Portugueza apenas sabe os termos mais vulgares e usuaes. Por estes homens, ou por estes brutos, se ha de annunciar ao Povo a Doutrina da salvação nos seus Dogmas, e na moral, mas succede, frequentemente, que huns taes interpretes, ou não, percebem a força, e o verdadeiro espírito das palavras portuguezas, ou não sabe achar, e escolher na sua Lingua termos, que propriamente lhes correspondão, de que póde resultar o ensinar erros substanciaes, assim a respeito do que devemos crer, como do que devemos obrar.
Além desses horrorosos males, he visivel que as instrucções communicadas por interpretes, e taes interpretes, aos Fieis, ou seja no Tribunal da Penitencia, ou na Cadeia da Verdade, perdem huma grandissima parte de sua energia, e de seu fructo, passando pela languida expressão de um bruto Negro, em cuja boca fica, como suffocada, a semente Evangelica.
Os admiraveis effeitos, que produz no auditorio aquella acção, ou representação, que a Arte de orar chama eloquencia do corpo, inteiramente se invertem e inutilizarão com a interrompida, fria, e maquinal pronunciação dos interpretes: de maneira que a sonora, e tocante voz do Evangelho se faz como insipida, e dissonante pela indisposição do órgão que a communica; e a agua pura, e vivificante da Palavra contrahe huma especie de vicio, e sordidez no infecto canal, por onde transita.
[...]
Pouco he necessario meditar, para se conhecer, quanto convem que aquelles aos quaes está incumbido o governo e a administração da Justiça em qualquer paiz, saibão o idioma que nelle se falla. Se taes pessoas não tiverem esta intelligencia, constituem-se na indispensavel necessidade dos interpretes, e, em consequencia, na precisão de indagarem, e saberem por outrem o que muitas vezes o bem público, ou particular exigia, que ellas por si mesmas inquirissem, e soubessem. O importantissimo segredo das disposições politicas, e militares he forçoso que frequentemente seja entendido de hum interprete, (isto he, de um preto venal), ficando exposto a ser revelado, ou por huma simples facilidade, ou por hum insignificante premio.
Quantas vezes o acerto, e felicidade de uma operação militar, em que se interessa a defensa commum ou vencimento de uma batalha, está dependente da exploração, intelligencia, e fidelidade dos interpretes? E será justo que homens de tão pouca instrucção, e confiança sejão instrumentos necessarios do bem, e conservação pública?
Todas as representações, ou requerimentos, que a populosa Nação dos Abundos faz aos Chefes do Governo, lhes são declarados pelos interpretes: mas, se o pretendente, ou a súpplica não he do agrado do interprete, está no ponto de ser por este illudida, representando-a diversa; pondo assim, ao mesmo tempo, em ludibrio a authoridade de quem manda, e a justiça de quem pede.
O processo, tanto civíl, como criminal, dos Abundos, he igualmente feito pelo ministerio dos interpretes, sendo por elles explicadas as testemunhas, que fazem a prova do direito das partes, e o fundamento do julgado. Mas, oh quanto arriscada não é a administração da Justiça! Se o interprete está apaixonado, ou vencido contra qualquer litigante, elle então vem a ser o arbitro da sua fazenda, da sua honra ou da sua vida, transformando, como quer os ditos das testemunhas.
[...]
De tudo, o que fica ponderado, se conclue, que a intelligencia da Lingua Bunda, ou geral do Reino de Angola, he utilissima, e necessaria aos Ecclesiasticos no exercicio do seu ministerio; aos Governadores, e Magistrados na Regencia do Estado, e na Administração da Justiça; aos Chefes Militares no acerto do seu Commando, e na felicidade de suas operações; aos Commerciantes enfim no manejo do seu negocio, sendo uma ruina, e uma desgraça, que todas essas pessoas não vejão o objecto de suas funções senão ao travéz da opaca sombra de um Negro interprete.
[...]

Vale.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

A tradução na década de (19)40

Para quem se interessa sobre a tradução na década de 1940, eis um texto bastante esclarecedor de Maria Clara Castellões de Oliveira "A cleptomania do tradutor: a tradução no Brasil na década de 40 do século XX" disponível aqui.

Deixo o resumo abaixo para os interessados:

Este trabalho tem por objetivo avaliar resultados de pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto “Traduções Literárias: Jogos de Poder entre Culturas Assimétricas” em torno da prática da tradução por escritores brasileiros durante a ditadura civil que vigorou no Brasil nas décadas de 30 e 40 do século XX. Para tanto, serão analisadas as listas de traduções trazidas a lume por escritores-tradutores e as críticas de traduções realizadas por Agenor Soares de Moura e publicadas no Diário de Notícias, de Porto Alegre, entre 1944 e 1946. Parte-se do princípio de que, nesse momento, tais escritores-tradutores, em função de prescrições de seu entorno e dos relacionamentos estabelecidos pelo governo brasileiro em um contexto mundial, agiram de forma semelhante à do tradutor cleptomaníaco que dá nome a um conto do escritor húngaro Dezsö Kosztolányi (1996).

Boa leitura!