quarta-feira, 16 de maio de 2018

Nathalia, uma intérprete amazônica

A história da índia Nathalia, que o padre João Felipe Bettendorff, catequista presente na Amazônia no século XVII, relata em um de seus atos de conversão/condenação dos indígenas, é interessante por dois aspectos: traz uma mulher indígena que não serve somente como biological go-between(isto é, para reproduzir mestiços: Metcalf, 2008), mas como linguistic go-between; e o fato dessa mulher intérpretre ser mais confiável que o índio homem intérprete, confiável a ponto de suas intermediações linguísticas servirem para a decretação de penas de morte. Nas palavras do padre,
(...) e para que se não faça reparo na verdade e sinceridade da intérprete chamadaNathalia, saiba-se que era filha de um dos maiores principais da nação dos Maraunizese irmã uterina do principal Guacaziri, da aldeia Chipiri, mulher de idade, sisuda ediscreta entre seus e os brancos, cuja língua sabia mui bem como doméstica da casa docapitão-mor Manoel Guedes, o qual a tinha concedido para serviço de Deus e d’El ReiNosso Senhor, para poderem seguramente tratar por via dela o capitão-mor Antônio deAlbuquerque e mais ministros os negócios do cabo do Norte, e procederem, até darsentença de morte, fundados na lealdade com que servia de língua para tudo (Bettendorff, 1990, 434)

Nathalia é uma mulher indígena aparentada a importantes chefes e que foi obrigada a se tornar intérprete, escravizada e forçada a aprender a língua dos brancos, tornando-se intermediária linguística em delicadas negociações, o que possibilitou certamente sua confiabilidade diante dos sacerdotes da Igreja. Trata-se de um dos raríssimos intérpretes amazônicos que teve seu nome registrado. Entretanto, seu caso é a exceção que confirma a regra, pois a desconfiança e a suspeita sempre assombraram os colonos europeus que precisavam de intérpretes para exercer seu domínio sobre as terras e os povos conquistados.

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